terça-feira, 5 de novembro de 2013

Merlim e as Escrituras

Mito ou realidade? Eis uma indagação que paira por sobre a história de muitos personagens de feitos marcantes e de notáveis simbolismos. Este é o caso do notável Rei Arthur, um bretão que teria vivido e reinado no território da Grã-Bretanha no inicio da Idade Média. Apesar de ser um personagem bastante idealizado em algumas narrativas históricas ou de ficção, o que o fez assumir o papel de mito fundador para a identidade inglesa, alguns historiadores acreditam que houve sim um homem cuja história de assemelha ao mito. O que importa destacar é que ainda que sua história esteja envolta em diversas hipérboles míticas, existem questões históricas relevantes que podem nos ajudar em algumas reflexões preciosas.

Este é o caso da narrativa envolvendo um personagem secundário em sua saga, mas que tem potencial para ser considerado por muitos um protagonista: o mago Merlim  Em que pese as diversas versões desta figura emblemática, a que se pretende destacar neste texto é o relato feito por Bernard Cornwell na trilogia que tem inicio com o livro “O Rei do Inverno”. Neste romance a história do Rei Arthur com traços bastante realistas é acompanha por outras narrativas, como as guerras entre os bretões e saxões, além do confronto religioso do paganismo com o cristianismo romano. É nesse contexto que a figura de Merlim torna-se proeminente, pois ele era o druida (espécie de sacerdote pagão) mais respeitado.

Desde o inicio da ficção nota-se prontamente a ausência de Merlim que teria empreendido uma misteriosa missão, de resgatar a sabedoria da Grã-Bretanha, consultado os deuses antigos. No entanto, ainda que ausente, seus ensinamentos direcionam toda a trama. No entanto, o velho mago não deixou orientação alguma para seus seguidores, e se colocava em franca oposição a qualquer tentativa de sistematização e escrita dos seus ensinos, pois os pagãos não deveriam escrever nada, visto que isto criaria dogmas e consequentes brigas a respeito da interpretação das palavras. Era preferível deixar as pessoas na dúvida acerca dos ensinamentos, pois na neblina da incerteza não poderia haver briga alguma.

E esta era uma evidente diferença entre os cristãos e os pagãos, em razão daqueles se guiarem pelas palavras do livro sagrado. Isto fazia com os pagãos ridicularizarem os seguidores do livro por mais esta postura divergente, assim como faziam com a questão da ênfase cristã no que eles chamavam de resignação (contentamento), enquanto eles valorizam o egoísmo e ira, e também as canções de lamento, pecado e culpa dos cristãos que destonava dos seus cânticos de guerra, sangue e louvor à grandes guerreiros.

Esta aversão à escrita das doutrinas ocasionou algumas questões no romance:

01 – Um espírito constante de incerteza no tocante as direções que deveriam ser tomadas, assim como o certo e o errado, o santo e o profano. Ao afastar-se de dogmas, o relativismo moral e religioso do paganismo minava qualquer possibilidade de segurança e senso de direção, pois os homens não sabiam aonde ir, tão pouco como ir ou que fazer.

02 – Neste abismo referencial a consequência mais previsível é a criação de líderes destacados que detêm o monopólio da verdade e assim direciona o povo a seguir a vontade oculta dos deuses pagãos. O líder, no caso Merlim e suas seguidoras, assumem uma grande proeminência e bastante poder, usando-o de acordo com suas conveniências sem que haja alguém que possa questioná-los, pois eles são a fonte máxima e última da verdade.

03 – Por fim, percebe-se que os mistérios que o mago Merlim procurava era na verdade os escritos de um druida, que de maneira leviana havia colocado em palavras escritas os grandes segredos pagãos. E como o império romano e o cristianismo estavam em franca ascensão, fez-se necessário resgatar as antigas magias contidas nos escritos daquele mago de outrora.

 Ainda que este relato faça parte de um simples romance, sua bagagem histórica revela traços interessantes do embate religioso-cultural que ocorreu na Europa durante a Idade Média, o duelo entre o cristianismo e as diversas variações do paganismo. E este trecho apresentando nos revela um destes aspectos mais interessantes: o confronto entre as Escrituras e o mago Merlim, representando o paganismo.

Em sociedades em que o Livro de Deus é desprezado, até mesmo por religiões ditas cristãs, é possível perceber semelhanças com o ocorrido nas páginas do romance do Rei Arthur, pois ao negarem-se os dogmas, ou verdades absolutas das escrituras, o relativismo impera e as pessoas ficam depravadas moralmente e perdidas. Neste cenário, figuras proeminentes como Merlim sempre aparecem e tomam para si o monopólio da verdade, seja um professor universitário, ou um falso profeta de falsas religiões. São homens que não podem ser contestados e manipulam seus seguidores em prol de seus interesses. No entanto, tal como o lendário mago, sempre acabam por recorrer a “outros livros”, pois uma vida sem verdades é impossível. Normalmente o que se deseja é excluir somente a verdade bíblica. Este é o propósito final do circo epistemológico montado pelo pós-modernismo.

Enfim, que esta simples reflexão histórica, teológica e literária nos faça perceber que nossa avançada sociedade ainda carrega muito do paganismo medieval, pois busca mestres excêntricos, despreza as verdades do Sola Scriptura e termina refém da depravação e do relativismo que os acorrenta à homens sedentos por poder e dominação. Entre os “Merlins” modernos e as Escrituras antigas, apegue-se à verdade que foi relevada por Deus!



Rodrigo Ribeiro

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