quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre o Amor: Uma reflexão sem idolatria e idealismo


Caso houvesse um Trend Tópics de tudo que é produzido em nossa sociedade, certamente o Amor teria constantemente uma posição de destaque nesta lista. As obras cinematográficas ou televisivas sempre têm como mote central um par romântico e suas desventuras, até mesmo em filmes de ação ou terror. As músicas, inclusive aquelas com conteúdo artístico nulo, abordam predominantemente temáticas que envolvem relacionamentos amorosos. Esta também é a realidade da literatura e das artes plásticas. Inegavelmente isto nos revela uma necessidade do ser humano, mas também demostra aspectos culturais, onde se incentiva o ideal de amor como o fim do homem. Objetivo-mor de nossa existência.

Este pensamento, se não está errado, no mínimo é incompleto. O resultado disto é uma sociedade que busca incessantemente satisfazer sua sanha por uma espécie de amor focado tão somente na pessoa amada, mas esquece do amor ao próximo, e o principal do qual todos derivam, o amor por Deus e sua Glória. Esse é fundamento do amor genuíno, e a razão de nossa existência. Nascemos para “glorificar a Deus e alegra-se nele para sempre”. [1] Se esta verdade não é considerada, todas as outras coisas carecem de fundamento. Podem ser belas, mas estão ocas, vazias. Este é o exato panorama das abordagens a respeito do amor nas artes e outros tipos de entretenimento menos elaborados: produzem descrições envolventes, com muita beleza e idealização, mas não tem a mínima profundidade.

Ao analisar este panorama, dois problemas saltam aos olhos: a idolatria do amor romântico e a idealização inconsequente do outro. A respeito do primeiro, é importante notar que o culto ao amor tão visto em nosso tempo é fruto do pecado do homem, pois é mais uma forma sutil de fazer aquilo que Paulo recriminava na epístola aos Romanos: “pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador. [2] Somente o coração idolatra corrompido pelo pecado, pode admirar algo sobremodo excelente, criado por Deus, mas ao invés de exaltar o nome Dele por isto, substitui-lo por sua criação. Pare e veja se não é isso que acontece diariamente em nossa cultura. O foco não é amar e obedecer a Deus que criou o amor, mas sim viver de maneira obsessiva em busca deste sentimento por ele criado, mas de forma doentia, deixando o Criador de fora deste enredo.

Esta profunda devoção ao amor idealizado, além do já citado problema da idolatria, também se revela prejudicial na criação de modelos inalcançáveis de homens e mulheres. Para exemplificar esse fato, citarei uma poesia de Vinicius de Moraes, artista notório por seu romantismo, onde fica evidente uma noção hiperdimensionada do amor, desmedida e incontrolável, que necessariamente irá refletir na concepção a respeito da figura amada ideal:

Soneto do amor como um rio
Este infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.

Este amor que surgiu insuspeitado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.

Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo

E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo [3]

Francis Schaeffer, em seu livro “A Arte e a Bíblia” argumenta que devemos analisar as obras de artes sobre quatro aspectos, sendo dois deles a qualidade técnica e o conteúdo intelectual. [4] A respeito da qualidade, este poema tem uma qualidade indiscutível, tanto em sua forma de belo soneto, como no vocabulário bem utilizado e na beleza de seus versos. Entretanto, sob o ponto de vista do conteúdo, notamos nesta poesia uma cosmovisão onde o Amor assume contornos absurdos, ao ponto de fazer comparações como o transcurso de um rio que o leva por caminhos desconhecidos e desagua no mar sem fim. Esta concepção ideal, febril e ilimitada do amor, reflete-se no paradigma construído sobre as qualidades da pessoa amada, tornado os indivíduos escravos de um padrão inatingível de perfeição. Exemplo claro disso é o poeta que escreveu estes versos, pois se casou nove vezes e jamais encontrou alguém que estivesse à altura do sentimento idealizado por ele.

Tal realidade se contrasta com a palavra de Deus, que ao mesmo tempo em que nos dá um padrão elevadíssimo de amor (I Coríntios 13), nos coloca diante da situação de pecadores e limitados, mas que somos aceitos como filhos por causa da misericórdia de Deus, revelada em Cristo. Através da graça de Deus, em Jesus Cristo, o inalcançável se torna real. Isso se aplica nos nossos relacionamentos, inclusive amorosos. Compreender a nossa situação de falhos e pecadores, assim como a graça e misericórdia de Deus é a cosmovisão do amor verdadeiro. Esta é a grande lição para todos os nossos relacionamentos: quando reconhecemos o amargor do pecado, o casamento torna-se doce. [5]

Que desfrutemos de toda a beleza do amor, mas nos distanciando da idolatria e dos padrões idealizados, que nos tornam escravos da perfeição. Lembrando sempre que Deus é a fonte do amor genuíno, pois este é também um fruto do espírito (Gálatas 5:22). Que Deus nos capacite a buscas viver relacionamentos sadios, cheios de pureza, companheirismo, graça, misericórdia, e também romantismo. Que nos dê um amor puro, já que o que vem de nós está maculado pelo pecado.

Um Amor Puro – Djavan


Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd


Citações:
[1]Catecismo Maior de Westminster: In: Bíblia de Estudos de Genebra. 2 Ed. Barueri, SP: Cultura Cristã, 2009. 1803p.

[2]PAULO: In: Bíblia de Estudos de Genebra. 2 Ed. Barueri, SP: Cultura Cristã, 2009. Epístola de Paulo aos Romanos, Capítulo 1, versículo 25. 1474p.

[3] MORAES, Vinicius de. Rio de Janeiro, RJ. Editora de Portugal, 1957.

[4] SCHAEFFER, Francis A.  A Arte e a Bíblia. Viçosa, MG. Traduzido por Fernando Guarany Jr. Ultimato, 2010.

[5] KARVEY, Dave. Quando pecadores dizem “sim”. São José dos Campos, SP. Editora Fiel, 2007.

Comentários
5 Comentários

5 comentários:

  1. O sentimento romântico, como evidenciado no texto e tão presente na sociedade, é relevado e exaltado na sociedade sob o nome de amor. Entretanto, nem sempre o que une os casais que dizem "amar" o seu parceiro se parece com o sentimento de calma, de altruísmo, de partilha e de compreensão que acompanham o vedadeiro amor, isso porque a maioria dos mortais nunca sentiu o amor verdadeiro, aquele que Deus tem por nós e que colocou em nossos corações. O senimento que as pessoas tem nutrido, sob o nome de amor, são os mais diversos: apego, obsessão, carinho, carência, mas amor, com toda a profundidade e extensão, acredito que só pode sentir quem já sentiu o amor de Deus.
    Reconhecer e sentir o amor de verdade, creio eu, parte de uma vivência muito maior, que é aquela propiciada pelo verdadeiro encontro com Cristo, quando se compreende a mensagem da cruz, em toda a sua profundidade. A partir dessa compreensão, é possível entender um pouco de amor e é possível reconhecê-lo, não só em um relacionamento romântico, como em qualquer tipo de relação interpessoal.
    Texto muito esclarecedor e de uma nível reflexivo maravilhoso. Parabéns, mano!

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  2. Esse comentário merecia ser incorporado ao texto! kkk A sociedade fala muito do amor, mas o conhece pouco. Vende-se um tipo de sentimento que não se adequa ao padrão divino. Deus é a fonte do Amor Genuíno, baseda na misericórida e na graça.

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  3. gostei muito do artigo, queria pedir licença para repostá-lo em meu blog, é claro, com todos os méritos a vcs. O amor verdadeiro tem se confundido com uma paixão efêmera, como costumo dizer, amor é mais que um sentimento, é uma decisão.

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  4. Seguindo!
    Segue?

    http://princesas-pink.blogspot.com/

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  5. Fique a vontade Leo, basta colocar as referências devidas. A intenção é que a reflexão se propague mesmo, e assim alertemos mais pessoas a respeito do verdadeiro Amor! :)

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